“O ano de 1968 foi muito agitado para o pessoal do teatro. Numa conversa entre o Lauro César Muniz, o Augusto Boal, o Plínio Marcos e o Jorge Andrade, surgiu a ideia de fazer um espetáculo coletivo onde se procuraria responder à questão “O que pensa você do Brasil de hoje?”. Imediatamente o Boal propôs que o Teatro de Arena produzisse o evento, e eles convidaram o Gianfrancesco Guarniere e o Bráulio Pedroso para participar também. Os autores escreveram seis peças curtas: O líder (Lauro), É tua a história contada? (Bráulio), Animália (Guarniere), A receita (Jorge), Verde que te quero verde (Plínio) e A lua muito pequena e a caminhada perigosa (Boal). As peças eram entremeadas de canções: “Tema de abertura” (Edu Lobo), “Enquanto seu lobo não vem” (Caetano Veloso), “M.E.E.U.U. Brasil brasileiro” (Ary Toledo), “Espiral” (Sérgio Ricardo) e “Miserere nobis (Gilberto Gil). O Arena havia criado uma fórmula de unir o teatro com a música nos seus espetáculos de grande sucesso – Arena conta Zumbi e Arena conta Tiradentes – que funcionava muito bem, e a fórmula seria adaptada para a I Feira Paulista de Opinião.
Entre os corajosos atores que participaram da Feira estavam a Aracy Balabanian, o Renato Consorte, a Miriam Muniz, o Rolando Bondrin, a Cecília Thumim Boal, o Antonio Fagundes, o Luís Carlos Arutin, o Luiz Serra, o Zanoni Ferrite. No saguão do teatro, havia obras de artistas como Nelson Leirner (um longo túnel verde e amarelo), de Marcello Nitsche, do Mário Gruber, do Cláudio Tozzi. A cenografia e os figurinos foram do Marcos Weinstock, e a direção musical do maestro Carlos Castilho. Eu fiz o cartaz da Feira, baseado num antigo anúncio do Xarope São João, onde aparece a ilustração do homem sendo amordaçado, com a legenda “Larga-me… deixa-me gritar!”. No meu cartaz, lia-se: “Largue-me, deixe-me falar”. Na época, a divulgação mais efetiva do teatro era pregar cartazes em todos os muros da cidade, então São Paulo foi toda empapelada com o cartaz da Feira, o que me deixou superemocionado. A primeira vez que entrevistei Augusto Boal no meu talk show, ele me levou de presente o original do cartaz. Participei da Feira também com uma pintura que acabou dando muita repercussão, e me expôs ainda mais aos órgãos censores e repressores da ditadura. Ela retratava um general sentado na privada e tinha o título O repouso do guerreiro. O curioso é que, coincidentemente, no texto do Plínio Marcos para a I Feira Paulsita de Opinião tinha um militar do departamento de censura que ia ao banheiro, usava um capacete como penico e se limpava com o texto da uma peça. Dá pra ver que havia uma sintonia no grupo que se uniu em torno do evento. O Boal sempre abria o espetáculo dizendo que o evento era o primeiro ato de desobediência civil feito nos palcos e mostrava o meu quadro, que sempre provocava gargalhadas. Continuar lendo →